quinta-feira, 6 de março de 2014

Quinta feira de cinzas


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Quinta-feira de cinzas às vésperas do Carnaval!
Graças aos ministros do STF responsáveis pelo julgamento do mensalão, a festa da justiça durou pouco
por Claudio Schamis

6 de março, 2014
fonte | A A A Era para tudo dar certo. Era para ser o julgamento do século. Da história do nosso país. Do exemplo. Da dívida para com a sociedade – que já estava cansada de ver tudo acontecendo, e ao mesmo tempo nada acontecendo com quem fazia as coisas acontecerem. Seria o julgamento do mensalão uma espécie de alerta, de aviso, de que os poderosos poderiam enfim sucumbir. Ledo engano. Talvez tenha até sido, mas não é mais.
A festa durou pouco. A festa durou enquanto durou. Mas acabou. Às vésperas do Carnaval se produziu uma quinta-feira de cinzas.
Hum...deixa eu ver. Não, não é quadrilha
Talvez atípica, mas real. Cruel. Cruel principalmente com quem acreditou, creditou e deu o seu voto de confiança ao Supremo Tribunal Federal. Mas o encanto acabou. Estou começando a acreditar que tudo que é bom realmente dura pouco.
Se isso fosse dito por Nostradamus eu iria dizer que ele estava dessa vez viajando. Que essa profecia era impossível de acontecer. Que não teria como se mudar o óbvio. Não seria possível que seis mentes, Lewandoswski, Dias Toffoli, Rosa Weber, Carmen Lúcia, Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, fossem capazes de mudar o rumo da prosa, que fossem capazes de ver o que só eles viram – e que infelizmente foi suficiente – e que acima de tudo passassem por cima de uma definição que aprendemos em sala de aula.
É claro que vão dizer que a definição eles não mudaram, ela está lá, em qualquer dicionário bom que se preze. Como no Houaiss, onde a definição cabível no caso do mensalão seria a de que quadrilha é um bando de malfeitores; súcia, corja. Mas para essas mentes, José Dirceu e seus comparsas não são um bando, não são malfeitores, não são uma corja. São somente pessoas que se reuniram para cometer crimes específicos. Ou, nas palavras do ministro Teori Zavascki, houve o concurso de agentes para cometer crimes específicos. Como assim? Então se houver especificidade não é mais quadrilha? Quer dizer que se eu me associar com mais pessoas para cometer crimes em geral, aí sim é quadrilha? Basta ter um objetivo que então não é quadrilha? Para eles só será quadrilha quando houver uma associação estável, permanente e duradoura que só exista para o fim de cometimento de crimes. Mas vem cá, essa “associação” deles não era estável? Não era duradoura? Como não? Ela só acabou porque houve a denúncia. Se não tivesse acontecido ela estaria aí até hoje. Então a coisa mudaria de figura? Quanto tempo é duradouro? Como então interpretar o que é duradouro? Tá parecendo quase a poesia de Vinicius: que seja eterno enquanto dure.
É tão obvio que irrita essa interpretação deles. Não precisa ter mestrado, doutorado. Nada disso. É preciso ter coerência com o fato. A partir do momento em que se denuncia uma quadrilha ela se dissolve, então o que era duradouro acaba, a partir do momento em que acaba a quadrilha deixa de ser quadrilha, mas pelo tempo que ela existiu e atuou era uma quadrilha, não era? Então cadê a lógica?
Mas será que essa interpretação valeria para um grupo assim mais pobretão, que não tem passagem pelos corredores do Planalto, do Congresso, do Senado?
Como assim?
Como é possível que onze pessoas olhem para um copo d’água e que seis desses talvez achem que aquilo pode não ser bem um copo d’água, mas sim um recipiente com um conteúdo líquido? É tão surreal que mais um pouco vou começar a acreditar que o mensalão nem existiu, que foi um simples pagamento mensal feito a deputados para que esses votassem a favor de projetos de interesse do Poder Judiciário. Por que então isso constitui crime? Onde está o crime? Se eu estou pagando em troca de um (des)serviço onde arrumaram um crime aí? Tudo não é uma questão de interpretação?
Nem sei mais o que pensar.
Banalizaram a justiça. E não foi alguém de fora. Foram pessoas do Judiciário que acabaram se autossabotando. Ou melhor, sabotaram a justiça ou o que restava dela. Agora acho que só nos resta assistir e ouvir a risada dos petistas e dos próprios mensaleiros comemorando uma vitória antes nunca imaginada. Uma vitória que pode ter prorrogação e mais festa.
Não acredito em apagão mental. Não me venha dizer que aconteceu um apagão momentâneo nessas seis cabecinhas e que do nada o que era deixou de ser. Apagão para mim é outra coisa. Isso que aconteceu no STF tem outro nome. Um nome bem feio. Que não vou poder dizer aqui em respeito ao meu editor e a você, meu leitor.
Como disse o próprio presidente do STF, Joaquim Barbosa, foi uma tarde triste. Posso imaginar o sentimento de derrota, de ver um lindo trabalho ser achincalhado.
E só de pensar que muitos deles poderão já em 2015 dormir em casa me causa náuseas, nojo, asco. E fico desacreditado nos crimes de colarinho branco que, pelo andar da interpretação de nossos ministros, poderão continuar sem muitos transtornos para seus autores. O máximo que pode acontecer é ter que se pagar uma multa, mas por experiência demonstrada pelos mensaleiros basta abrir um site apelando por ajuda que ela vem rápida, e fica tudo resolvido.
Lamentável, STF.

Um comentário:


  1. Transportei para o meu Blog do Talianeto a correta manifestação do articulista Claudio Schamis.
    Aos meus 88 anos de idade conclui que os magistrados por ele mencionados gostam de neologismos.
    Para enriquecer-lhes a inteligência utilizo-me de dois que me ocorreram, após a leitura:
    Os seis juízes lularam e dilmaram na apreciação e julgamento da causa.

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