terça-feira, 17 de junho de 2014

BLOG DO ANTUNES


Ei, Dilma, vá tomar… jeito
Por Alex Antunes | Alex Antunes – dom, 15 de jun de 2014
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Uma onda de indignação percorreu vários artigos bem-pensantes em relação ao corinho que a presidente recebeu no estádio no jogo de estréia do Brasil: “Dilma, vá tomar no (*)”. Quanto a mim, só consigo pensar: colheu o que plantou.
Claro que existe sim uma elite branca alucinadamente preconceituosa, que por exemplo desprezou Lula ao mesmo tempo em que ele conduzia o país na melhor fase da sua história (se considerarmos a continuidade da recondução do país à normalidade democrática somada aos bons ventos na economia).
Alguém pode dizer: foi sorte. Eu diria “magia”. A intuição de Lula foi comprovada ao conduzir aos seus postos nomes (não por acaso os dois negros) inusitados como o de Gilberto Gil e Joaquim Barbosa. Goste-se ou não da atuação deles, ela atravessou o samba da conciliação branca automática, enriqueceu muito os debates. E gerou momentos desafiadores – o que foi bom – para a percepção da cultura política e da política cultural do país. Arejou.
Ou seja, tudo que não é a obsessão da economia como uma ciência exata (mentira) emergiu. Nossas “elites” de araque foram expostas e confrontadas no processo. O país deu um salto na sua autopercepção. Dilma assumiu com a bola na marca do penalti. Era só marcar.
Marcar, no caso, significava tocar a tarefa de faxina que Lula não era talhado para fazer. Endurecer com os setores fisiológicos mais corruptos da base, completar o sacrificio político dos setores do PT maculados formalmente com o mensalão, enfim, emitir simbologias de independência, seriedade e avanço social – com um toquinho de feminismo pra garantir a firmeza.
O problema é que o governo Dilma, aos poucos, tornou-se o pior de dois mundos. Lula mantinha os fisiológicos mais ou menos travados em arranjos provisórios e conversas intermináveis. A inábil e politicamente irrelevante Dilma, acovardada (principalmente a partir da piora do cenário econômico e das manifestações de um ano atrás), acabou virando refém das mesmas pseudo-elites que vinha para anular e enquadrar de vez.
Sob a covardia eleitoreira de Dilma, os fisiológicos tornaram-se mais chantagistas do que nunca; os ruralistas se preparam para o assassinato ainda mais sistemático de índios e a destruição da política de demarcações; os neopentecostais nadam de braçada na sua cruzada violenta contra o feminino, a cultura negra e as liberdades individuais.
Para completar a simbologia errada, a lei da Copa converteu-se no AI5 de Dilma; a sua subserviência à Fifa é digna de um Governo de Vichy (os colaboracionistas franceses com o nazismo); as PMs se assumem ideológicas com uma ousadia repressiva que não se via desde a ditadura – e em alguns aspectos ainda mais desinibida. Como se a polícia não estivesse a serviço da população, incluindo-se aí os ativistas.
Tudo em nome da crença capenga de que um grande evento esportivo internacional serviria para “posicionar” o Brasil de alguma maneira, turbinar (publicitariamente) a nossa autoestima. Acontece que falsidade marketeira é tudo de que não pecisamos.
Dilma, discursando, é como um boneco, com falas acacianas e movimentos erráticos.
O exato oposto de Lula. Dilma tornou-se o Maduro de Lula, o tapa-buraco surtado, passivo-agressivo – e Lula nem morto está, só está gagá. A infeliz invenção do (não) candidato Padilha, no que seria a disputa estadual mais importante para o PT, em São Paulo, é a demonstração de como até Lula perdeu a mão completamente.
E chega o momento em que Dilma, agarrada à simbologia precária e contaminada da Copa, é vaiada – numa vaia puxada pelos setores (cof, cof) “vips” do estádio. Aqui intervêm quatro aspectos.
Primeiro, como brincou meu amigo Sergio Cohn, “vocês se lembram daqueles filmes da sessão da tarde onde uma garotinha nerd decide que quer andar com as patricinhas e para isso abandona, trai e humilha as amigas para no fim descobrir que as patricinhas nunca irão a aceitar de verdade?”. É essa a verdadeira relação da traidora Dilma, da covarde Dilma, da puxa-saco da elite Dilma, com a esquerda (os movimentos sociais) e a direita (a pseudoelite). Virou desafeta dos dois lados.
Ou, numa formulação mais amena, de Lino Bocchini em sua coluna na Carta Capital, “que (Dilma) tire uma lição do que presenciou em Itaquera (a vaia). Não faz o menor sentido continuar governando prioritariamente para essas pessoas. E não é uma questão de ‘gratidão’, nada disso. Dilma é, claro, a presidenta de todos os brasileiros. Mas não se justifica o número de concessões e agrados que ela se obriga a fazer para poderosos em geral, sejam eles do agronegócio, evangélicos fundamentalistas, banqueiros ou donos de redes de televisão”.
O segundo aspecto é que o futebol é uma encenação patriarcal, hipercompetitiva, que acredita em “rivalidades” artificiais. Como já dizia Nelson Rodrigues, lembrado por Marcos Augusto Gonçalves, “no Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio e, se quiserem acreditar, vaia-se até mulher nua”.
Esperar educação num ambiente machista tosco como um estádio, ainda mais coalhado de coxinhas e num momento de convulsão social, seria pura insanidade. Não foi à toa que Dilma se precaveu discursando na televisão, às vésperas, e não se atreveu a abrir a boca no estádio.
O terceiro aspecto é o de que se há uma contribuição que o ativismo do século 21 está dando, é a de que não há “salvo conduto para a esquerda fazer bobagem”. Esse alinhamento automático (que é apenas uma forma disfarçada do alinhamento automático da elite branca) ficou no stalinismo do século passado. Como já dizia o (manjadésimo) ditado, de boas intenções o inferno está cheio.
Se algum político ou partido quer resgatar o nome da esquerda, terá que fazer isso com esforço, coragem moral, constância e sem se recusar a dar satisfações – e a fazer eventuais autocríticas. E o PT tem sido o contraexemplo disso. Dilma não só já torrou todos os dividendos que os acertos do governo Lula deixaram, como já está afundada no passivo.
Se o psiquismo petista gastasse com autocrítica uma fração da energia que gasta com reclamações ao Joaquim, reclamações à “falta de educação” das vaias, já seria uma mostra de dignidade. Porque matar índio e destruir terreiro de religiões afro, como faz a base petista, também não é nada “educado”.
E, finalmente, a questão da Copa e da autoestima. As traduções ridículas do inglês em placas e restaurantes (incluindo os notáveis “bread with cold”, o pão com frios, e “against the brazilian steak”, o contrafilé à brasileira) e absurdos como o de colocar índios vestidos com roupa cor de pele na bisonha cerimônia de abertura, sem falar no flop do robô do Nicolelis, são apenas um sintoma. Sintoma do ridículo que é esse “esforço em agradar”, que não só não funciona como expõe o país à dupla vergonha de tentar ser o que não é.
Sendo que o que somos de verdade é exatamente o que o mundo espera de nós – inclusive o ativismo que as PMs espancam e prendem sem fundamento legal. E não essa caricatura de “eficiência” e “limpeza”. O que nos traz de volta a Dilma. Eu diria à presidente: “Ei, Dilma, vá tomar... jeito”. Se é que dá tempo. Parece que não.

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