sábado, 21 de junho de 2014

PERCIVAL PUGGINA


AS COMPLEXIDADES DA SIMPLIFICAÇÃO
Percival Puggina



Quem xingou Dilma no Itaquerão? Fossem sonoros aplausos, a comunicação oficial não teria constrangimento em ressaltar a ruidosa e alegre saudação popular dedicada à presidente. Mas não foram aplausos. Impunha-se, portanto, circunscrever a ação dos torcedores a um pequeno e seleto grupo de privilegiados e em encontrar responsáveis pelo ocorrido.
O ex-presidente Lula, que, prudentemente, não passa nem de avião por sobre os estádios com cuja construção se comprometeu, veio às falas. Ao se manifestar, no dia seguinte, durante um comício do PT em Pernambuco, apelou para o velho truque de emoldurar o fato num quadro simplista: o estádio teria sido capturado por não torcedores, gente cheia de ódio. Quem estimulou esse ódio? Setores da imprensa. Quais as razões do ódio? Revolta dos ricos contra o crescente bem estar dos pobres. Mas adiante, sublinhou não haver no estádio ninguém com cara de pobre. "A não ser você Dilma". Nenhum "moreninho". E afirmou que o público era formado pela "parte bonita da sociedade, que comeu a vida inteira".
Ao querer simplificar, Lula complicou e se complicou. É impossível não perceber os preconceitos desse discurso. Para que tal oratória fique de pé, o ex-presidente decide que branco é bonito e moreninho feio, e que quem sempre comeu se revolta quando todos comem. Por quê? Faltando os porquês, o discurso cai. Desaba como uma pedra sobre os sapatos Louboutin da presidente com cara de pobre. Lula sempre forçou antagonismos para se posicionar: pobres contra ricos, moreninhos contra branquinhos, olhos claros contra olhos escuros, empregados contra patrões, índios contra civilizados. E vice-versa, ao gosto do freguês. Agora, nos apresenta o Brasil dividido, também, entre o Brasil dos bonitos e o Brasil dos feios. Arre, Lula!
Mas não foi só aí que, por excesso de simplificação, a oratória ex-presidencial despencou a ponto de tornar a fala imprestável para qualquer par de neurônios que lhe desse atenção. Afinal, quem, sem consultas, sem ouvir a opinião pública, na escuridão do próprio bestunto, decidiu trazer a Copa de 2014 para o Brasil? Quem cedeu às exigências e padrões da FIFA? Quem multiplicou as sedes e construiu estádios onde sequer existem clubes de futebol? Quem, se não o próprio Lula, criou o cenário para a festa do dia 12, não no histórico Maracanã, não na Capital Federal, mas no estádio do seu Corinthians? Agora, após o acontecido, ele imagina que o país também se divide entre uma multidão burra e uns poucos inteligentes, entre os quais o próprio. E fala, novamente, como se nada tivesse a ver com o que acontece no país.

ZERO HORA, 22 de junho de 2014



A COPA É UMA BELEZA!
Percival Puggina



Não sei se vocês repararam na beleza que está sendo a Copa, sua organização, a qualidade da algumas equipes, a lotação dos belos estádios, o comportamento civilizado dos torcedores visitantes, cujo colorido e bulício enfeita as ruas das cidades-sede com riqueza de tons e sons. Isso é fato e fatos não se contestam. A Copa, como tal, vai bem, obrigado.
É verdade que a sociedade esteve dividida, nos últimos meses, em relação a esse evento. De um lado, aqueles que reprovavam o padrão elevado e oneroso imposto pelas rigorosas exigências da FIFA, a atenção dada ao conforto dos visitantes, o ínfimo padrão dos serviços prestados pelo Estado brasileiro aos cidadãos nativos, o atraso das obras, especialmente daquelas ligadas à mobilidade urbana, que restariam como benefício permanente às cidades onde se disputam os jogos. Tudo isso formou um quadro de repulsa que evoluiu até se tornar francamente majoritário na sociedade. De outro lado, situavam-se os defensores do evento, que focavam, prioritariamente, os ganhos decorrentes da promoção do país, as receitas proporcionadas pelos turistas e os investimentos em infraestrutura relacionados à sua realização.
Agora a bola está rolando nos estádios e, no debate político, a seguinte questão é insistentemente colocada: quem tinha razão afinal? Os que eram ou se tornaram contra, ou os que sempre foram e se mantiveram a favor?
Suponhamos, para bem entender e nos posicionarmos corretamente perante essa contradição, que um chefe de família, de recursos limitados, sem consulta alguma, resolva envolver a família toda na organização de um grande banquete que ofereceria à numerosa vizinhança do bairro. Tudo preparado com esmero. Os melhores cozinheiros e garçons, o melhor bufê, excelentes vinhos e espumantes, exuberante decoração, boa música ao vivo, seguranças e motoristas especialmente contratados, e tudo confiado aos zelos da melhor promotora de eventos. Gente padrão FIFA. Concluída a festa, é claro, ninguém tinha de que reclamar. Não havia um defeito a apontar. Nenhuma flor murcha, nenhuma louça trincada. Sucesso absoluto! A família, é claro, gastou o que não tinha numa muito bem sucedida festa proporcionada aos outros. A ela, à economia familiar, restaram as contas a pagar, o prolongado aperto nos gastos para compensar o esbanjamento feito em algo absolutamente supérfluo, dispensável, e que correspondia a nenhuma conveniência ou urgência do grupo familiar.
É muito parecido com essa parábola o assunto de que estamos tratando. Bilhões foram gastos nos luxos de um festival futebolístico que não estava nos planos nem nas urgências da família brasileira. Aqui, como na parábola acima, o mínimo que se deve dizer de quem decidiu realizar a festa, por conta própria e risco alheio, é que suas prioridades entraram em conflito com os anseios dos cidadãos do país. É por isso que Lula está assistindo os jogos da Copa instalado no sofá da sala.
* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

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