sábado, 2 de agosto de 2014

CRÍTICAS


No início do ano, recebi na minha mesa o resultado de uma pesquisa inédita de intenção de voto da sucessão presidencial. Eu trabalhava em um site de política e deveria, como em ocasiões anteriores, selecionar os destaques, escrever um resumo e publicar naquele mesmo dia. O embargo, como praxe, era até o fim da tarde. Naquele mês, o grande interesse da maioria dos leitores ainda era se o Brasil seria capaz de sediar uma Copa do Mundo em seu quintal, e poucos pareciam se preocupar com o cenário da disputa. Por isso estranhei os telefonemas recebidos durante a tarde.É mais ou menos assim: conforme a disputa esquenta, os comandos das campanhas interessadas passam a agir como lobos para conseguir acesso antecipado aos números e afinar a estratégia e o discurso antes do fechamento dos jornais. E chovem telefonemas ao repórter ou redator responsável pelo texto da pesquisa até o fim do embargo – e com eles a resposta-padrão para despistar os curiosos e preservar o emprego.Desta vez, no entanto, o telefone começou a tocar mais cedo. Do outro lado da linha não estavam os coordenadores da campanha, ainda em fase de construção, mas colegas de veículos de economia. A insistência, diziam, era porque o mercado estava em polvorosa à espera de uma queda das intenções de voto para a presidenta Dilma Rousseff. A movimentação da Bolsa ao fim de cada pesquisa reforçava essa tendência: as ações caíam ou subiam em movimento contrário às oscilações da presidenta.O comunicado do banco Santander aos seus clientes, revelado na semana passada pelo jornalista Fernando Rodrigues, escancarou o que nos bastidores já não era segredo: o mercado apostava contra a petista. A revelação deu nome aos bois – a um boi, pelo menos, o maior prejudicado no episódio até aqui. No documento, o banco afirmava a clientes Vips que a queda da petista nas pesquisas contribuía para a subida do Ibovespa. Uma mudança nas intenções de voto, no entanto, provocaria um “cenário de reversão”, com câmbio desvalorizado, alta de juros longos e a queda do índice da Bovespa.
Para quem passou as últimas semanas alimentando a fantasia de que as vaias à presidenta na abertura da Copa, dentro e fora das arquibancadas da Arena Corinthians, eram uma manifestação exclusiva da elite, o comunicado foi um prato cheio. O PT acabava de ganhar um discurso. Ou melhor, acabava de legitimar o que o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, já apontava como um falso discurso – para ele, o sentimento de rejeição ao governo e ao seu partido estava infiltrado em outras camadas da sociedade por uma série de razões, entre elas os pesos e medidas distintos da cobertura política. Mas não eram um fenômeno apenas das áreas Vips dos estádios (e dos bancos, como agora podemos supor).A fala do ministro, embora lúcida, desagradou parte dos correligionários. Com o comunicado do Santander, virou fumaça. Na queda de braço, venceram os que preferem atribuir à elite, e apenas à elite – egoísta, reacionária e demofóbica – a rejeição a um governo popular. Daí a repercussão em cima do episódio.
Segundo o banco, o texto foi enviado aos correntistas com rendimento mensal superior a 10 mil reais, que representam 0,18% de sua base. Dessa pequena conta é possível vislumbrar um grande dividendo eleitoral: “o que é bom para a parcela de 0,18% de privilegiados não é bom para os outros 99,82%”. E são esses últimos que ganham uma eleição. Esse raciocínio caiu no colo da campanha petista e deverá ser sugado até a última gota.Mas a análise do movimento escancarado antes do comunicado vir a público mostra uma situação um pouco mais delicada do que uma queda-de-braço pura entre elite versus povo. Um amigo com alta rodagem na cobertura do mercado financeiro é quem atesta: “O mercado não está contra o PT, mas contra a Dilma”. Tanto que, segundo ele, as especulações já surgiam quando havia a expectativa de uma queda de Dilma nas pesquisas significar a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – o que explica a ansiedade dos telefonemas descritos nos primeiros parágrafos.Isso porque, explica o meu amigo, a presidenta é vista como excessivamente intervencionista pelo mercado. Entre outras razoes citadas por ele estão os episódios da renovação das concessões de energia, o uso da Petrobras como instrumento de controle inflacionário (“o que impede a empresa de aumentar o combustível para equiparar a patamares internacionais”), a utilização dos bancos públicos para manobras fiscais, às desonerações (“meio a esmo”) e a credibilidade mambembe das contas públicas – sempre segundo os argumentos do mercado.Nesse movimento, é possível identificar exageros e o velho fator especulativo, semelhante ao que acontece nos Estados Unidos em época de eleição, quando o mercado sopra a favor dos postulantes republicados. Ainda assim é preciso ter cuidado para não criar demônios a partir do episódio. “No fim das contas, mercado não é um bando de engravatado na Paulista. É a soma de diversas expectativas se manifestando. Lógico que rola efeito manada, mas no fim das contas eles querem mesmo é se antecipar aos fatos, porque só assim se ganha dinheiro. E o capital especulativo é mais volátil mesmo, de curto prazo. O que a gente precisa é perder a ideia de que especulador é um canalha disposto a ferrar todo o resto. Ele é fundamental. Sem especulador não tem mercado. Todo mundo ficaria preso num papel e só esperaria que ele se valorizasse por inércia. Também foi o especulador que jogou a Petrobras lá em cima no governo Lula.”E finaliza: “Há, de todo modo, fatores de preocupação. Especialmente com erros cometidos na condução da política econômica. O Santander não disse nada demais. Talvez não devesse fazer esse tipo de análise em boletim de correntista, mas sim para investidores em ações. Correntista, por mais rico que seja, quer uma coisa operacional e procura o gerente para discutir investimento. Não cabia aquilo naquele boletim”.
Grifo meu, Dilma Rousseff fez bem em repudiar a nota do Santander, que já se desculpou e jura ter demitido os responsáveis. Usar a rede de influência, como no caso, para divulgar simpatias políticas na base do terrorismo econômico é sempre lamentável – como é lamentável padre ou pastor que usa o púlpito para demonizar candidatos inimigos. Ponto. Mas o episódio não é isolado nem minimizará, pelo constrangimento, o desconforto, agora declarado, dos empresários em relação à política econômica. Há desconfianças dos dois lados e, em pleno ano eleitoral, não se sabe até onde cada um está disposto a ceder por uma mensagem de paz antes do próximo pregão.
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