segunda-feira, 15 de agosto de 2016

PATERNIDADE

Os desafios e as alegrias da jornada de um pai solteiro
Os desafios são dobrados, mas a vitórias também (Foto: Pixabay)
Em setembro de 2015, o Estatuto da Família, depois de votação na Câmara dos Deputados, definiu a família brasileira como sendo a união entre um homem, uma mulher e seus filhos. A definição logo gerou revoltas, e as redes sociais amplificaram as vozes dos milhões de brasileiros que não se encaixavam nessa definição.
Na prática famílias vêm em diversos formatos. Não é raro ouvirmos falar de mães solteiras; elas que, de acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto Data Popular, são 67 milhões no Brasil e que criam seus filhos sozinhas, em um modelo de família que é extremamente comum no mundo.
E há, embora menos comuns, os pais solteiros também. Sem uma figura materna, estes homens assumem toda a responsabilidade pela criação dos filhos. Um estudo do Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (Ipea) constatou que, na última década, o número de pais solteiros cresceu 48%.
É o caso de Vinícus Duarte. Desde a adolescência, o Gerente de Recursos Humanos, hoje com 42 anos, tinha vontade de ser pai.
Em conversa com o Opinião e Notícia, Vinícius conta que observava as dificuldades de seus amigos e amigas para criar os filhos e imaginava que, talvez, ele fosse capaz de fazê-lo sozinho. Hoje, ele é pai de Daniel*, a quem adotou e diz, orgulhoso, ser “a sua cara”. A vontade inicial, porém, era ser pai de uma menina.
“Durante os quatro anos que fiquei na fila da adoção, eu comecei a poupar o máximo possível e a lidar com a minha rotina de modo a estar pronto a qualquer momento para receber a ‘Maria’. O meu sonho era ser pai de uma menina, que eu ensinaria a jogar futebol, andar de moto e várias outras coisas diferentes.”
criancas wikimedia
No Brasil, há 5,500 crianças aptas à adoção
A burocracia envolvida na adoção de uma criança virou um obstáculo na vida de Vinícius.
“Deixei de aceitar empregos em outros países por achar que deveria estar no Brasil quando o telefone tocasse. Deixei de viajar com os amigos para não gastar o que havia poupado. Deixei de estudar fora para não correr o risco de estar desempregado na hora em que me chamassem.
No Brasil, de acordo com dados apurados na região Sudeste (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo), o tempo para adotar uma criança com idade entre um e 10 anos é de aproximadamente dois anos e três meses. Em todo o país, das mais de 44 mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos, cerca de 5,500 estão aptas à adoção.
Quando Vinícius conseguiu, finalmente, adotar Daniel, de quase três anos, percebeu que toda a sua preparação não tinha sido o suficiente.
“Não tive muito tempo para pensar e de repente o dinheiro parecia pouco, o desespero por não saber lidar com a situação, agora real, tomou conta. Eu me tornava pai de um menino de fraldas, um vocabulário de três palavras e uma carinha de assustado. A preparação ao longo dos anos foi toda por água abaixo”.
“Foi difícil estabelecer uma linguagem mútua no começo. Acordar e não poder mais ficar na cama, porque ele já estava batendo no meu rosto e com aqueles olhos de fome dizendo, ‘PRECISO DE CAFÉ! ’. Entender a importância de uma rotina para uma criança quando você, aos seus 40 anos, já tem a sua, assusta.”
Muito da rotina de Vinícius e Daniel é igual à de qualquer outra família. A preocupação com a alimentação saudável, os filmes infantis repetidos à exaustão, a substituição de noitadas por sábados de pizza e pipoca no sofá, os horários seguidos religiosamente para manter uma rotina saudável e funcional para todos.
Mas, quando se é um pai solteiro, a responsabilidade é toda sua e a vigilância é constante, mesmo em relação à boa intenção dos amigos.
“Alguns se solidarizam e compartilham quando podem um tempo conosco, aliviando, às vezes, o pai da rotina. Mas estou sempre de olho, para ver se não estão ensinando algo errado, palavras feias ou brincadeiras violentas.”
Vinícius conta que a vida social é afetada, impreterivelmente.
“Antigamente, eu acordava cedo porque tinha de ir à academia, trabalhar e estar pronto para a atividade social da noite. Hoje acordo cedo para arrumar a mochila da escola, duas vezes por semana para levá-lo à fonoaudióloga, uma vez à psicóloga e no fim do dia, também duas vezes na semana, para a natação. Ou seja, no fim do dia, quando meu pequeno está alimentado, educado, estimulado, de banho tomado e dormindo, eis que o pai vai cuidar da roupa, ver o que precisamos comprar, organizar a casa, pensar no trabalho e, possivelmente, lembrar que tem de se alimentar.”
Quando questionado sobre os desafios de ser pai solteiro, Vinícius fala da responsabilidade que é a formação de um cidadão.
“Quando o vejo tomando atitudes sozinho ou repetindo ações e pensamentos iguais aos meus, tenho medo. Naquele momento tenho que me olhar e perceber o que faço certo e errado. E talvez aí esteja o grande desafio – ser exemplo para alguém que hoje é uma esponja de conhecimento e que precisa construir uma base de valores sem nem mesmo entender o que muitas palavras querem dizer.”
“Quando há um casal, as responsabilidades são geralmente dividas, enquanto um toma banho, o outro faz a janta, enquanto um pode ir buscar na escola, o outro pode ir malhar ou comprar o pão no caminho de casa. Quando se é solteiro não há escolhas. Se ficar doente tome um remédio e acelere a cura. O cansaço é dobrado, assim como a preocupação e a responsabilidade. Mas por outro lado, também, a vitoria é só sua”, reflete.
pai filho 3 wikimedia
“Ser diferente não nos faz únicos”
Vinícius acha que as jornadas de um pai solteiro e uma mãe solteira não são tão diferentes.
“Tenho amigas solteiras que são mães, compartilhamos os mesmos casos e rotinas. Às vezes as crianças também compartilham o mesmo parque, o mesmo chuveiro, a mesma piscina. Nos reunimos para mostrar às crianças que existem outras famílias iguais, e que ser diferente não nos faz únicos.”
Apesar de todos os desafios e dificuldades, é óbvio o amor de Vinícius pelo filho e o orgulho que tem do progresso que, juntos, alcançam todos os dias. Ele enumera as melhores partes da paternidade:
“É ganhar o carinho do dia. É ouvir aquela palavra cujos fonemas pareciam irreprodutíveis. É entrar no carro e conseguir dialogar! É ouvir alguém dizer que ele mudou e que é mais educado que o amigo! É perceber que sua árvore plantada está ali, que o livro escrito está ali na frente cheio de paginas em branco. Perceber a incondicionalidade de um amor criado.”
A jornada de Vinícius e Daniel é longa, cheia de imprevistos e pontuada pelo forte laço que nasceu com a espera da confirmação da adoção, a convivência diária, a adaptação na vida de ambos, com as vitórias e os desafios que, sem dúvida, virão pela frente.
Só cabe, então, ao Estatuto da Família, aos legisladores e aos brasileiros que acreditam que família só é formada por um pai, uma mãe e seus filhos, adaptar sua visão à realidade e perceber que um menino e um homem em seus 40 anos, cuja vontade de ser pai o levou a se sacrificar, esperar e se adaptar, formam sim, uma família completa.

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